Histocompatibilidade: a capacidade de aceitar transplantes entre indivíduos

Histocompatibilidade

A histocompatibilidade, ou seja, a compatibilidade entre células, tecidos ou orgãos é um aspecto fulcral quando se aborda o tema da transplantação. Em todos os processos de transplantes são feitos testes com o objectivo de verificar se existe compatibilidade entre o dador e o receptor. Torna-se assim importante entender o conceito de histocompatibilidade.

Para puder falar em histocompatibilidade é necessário que haja diferenças entre os tecidos. Estas diferenças surgem devido à existência de um grupo de genes aos quais se dá o nome de Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC). Este grupo de genes é comum a todos os vertebrados sendo a região mais densa de todo o genoma, tendo ainda um papel importante no sistema imunitário e na determinação da identidade biológica de cada um.

No ser humano este complexo recebe o nome de Antigénios Leucocitários Humanos (HLA) e está contido no braço curto do cromossoma 6 do seu genoma. Estes antigénios vão ser codificados por diferentes genes que são recebidos de ambos os progenitores. Um enorme polimorfismo (muitos genes para a mesma característica) deste material genético contribui para inúmeras combinações possíveis pelo que é muito improvável encontrar duas pessoas com a mesma informação genética.

Os antigénios codificados pelo HLA vão estar presentes em todas as membranas celulares das células do organismo. Assim, cada célula de um indivíduo tem a sua marca biológica, a sua especificidade. Esta informação genética pode ser determinada fazendo uma tipagem HLA, ou seja, determinando todos os genes deste sistema.

Cada sistema imunitário tem a capacidade de identificar e reagir a organismos estranhos. Este processo é baseado na identificação dos antigénios anteriormente referidos por células imunitárias. Quando estas células reconhecem um antigénio estranho desencadeiam uma resposta com o objectivo de o destruir. Este antigénio estranho tanto pode pertencer a bactérias e a vírus, como a um tecido ou um órgão intencionalmente transplante. Assim, ao transplantar um orgão estranho o sistema imunitário do receptor reage e cumpre, no fundo, o seu objectivo – a rejeição.

Para um transplante ser bem sucedido é necessário que as células imunitárias do receptor não entrem em conflito com o tecido do dador. No entanto, como já foi referido, é altamente improvável encontrar um par dador-receptor compatível de modo a que não haja rejeição do transplante. Desta forma, o que se procura é o par mais compatível possível dado que existem técnicas para, depois da operação, evitar a rejeição do orgão (imunossupressão).

Tipos de Rejeição

Como já foi referido, o objectivo do sistema imunitário de cada pessoa é atacar os organismos estranhos. Quando estes entram no sistema de uma pessoa são reconhecidos pelas células dendríticas do sistema imunitário do infectado. Estas células dendríticas são células que têm como principal função a apresentação de antigénios estranhos às células T auxiliadoras. Quando as células dendríticas cumprem a sua função vão activar as células T auxiliadoras que, por sua vez, têm a tarefa de coordenar toda a resposta imunitária. Estas vão controlar a acção de células T citotóxicas, de linfócitos B, entre outras, que vão atacar e destruir o organismo invasor.

No caso de um transplante acontece um mecanismo semelhante. O orgão que é transplantado vai conter células imunitárias do dador. Quando neste a circulação é estabelecida, estas células vão migrar para o tecido linfóide do receptor. Nesta fase, as células dendríticas do receptor, no mesmo tecido linfóide, vão entrar em contacto com as células imunitárias do dador e vão reconhecê-las como estranhas e cumprem a sua função, ou seja, activam as células T coordenadoras que vão controlar toda a resposta imunitária ao orgão estranho. A partir deste momento começa a rejeição do orgão pelo receptor.

A severidade da referida rejeição vai depender do grau de diferença dos antigénios HLA do par dador-receptor. Assim, quanto maior for a semelhança entre estes antigénios, maior é a probabilidade de o transplante vincar e de se controlarem possíveis rejeições com os imunossupressores.

Desta forma, dá-se a rejeição do orgão quando há uma diferença dos antigénios HLA do par dador-receptor. Estas rejeições são geralmente precedidas por febre, hipertensão, edemas e dor ou sensibilidade no local do transplante. As rejeições podem ser do tipo:

Hiperaguda: quando o receptor tem anticorpos pré-formados anti-HLA do dador, assim que é colocado o novo orgão, este é imediatamente atacado, dando-se a rejeição em muito pouco tempo. O orgão fica inutilizável e é simplesmente deitado fora. Este tipo de rejeição é prevenido pelo teste de cross-match. Neste caso existem grandes diferenças entre os antigénios HLA do par.

Aguda: este tipo de rejeição pode acontecer alguns dias ou meses depois do transplante. Esta pode ser mediada quer por células, quer por anticorpos, ou por ambos. Quando é mediada pelas células (celular) é de mais fácil controlo do que quando é mediada por anticorpos (humoral). Quando o doente apresenta sintomas de rejeição é feita uma biopsia do orgão e desta forma é possível fazer um diagnóstico do problema e rever a imunossupressão. Quando detectada a tempo é de fácil controlo devia à enorme gama de imunossupressores.

Acelerada: a terminologia deste tipo de rejeição está a cair em desuso mas esta consiste numa rejeição mais severa e mais rápida que a aguda embora não seja tão imediata como a hiperaguda. Em comparação com a aguda é mais difícil de tratar mas, uma vez mais, graças a todos os imunossupressores existentes é possível de controlar.

Crônica: este tipo de rejeição é o que causa mais perda de tecido transplantado. A sua causa terá origem naturalmente no sistema imunitário mas a sua verdade origem ainda está por determinar. Neste tipo de rejeição o orgão vai-se deteriorando lentamente. Pode ser controlável com imunossupressão mas o risco de rejeição permanece.